20 de junho de 2011

ÁGUA VIVA



A água, mais do que morta,
silencia minha voz na lágrima ancestral:
minh'alma de vidro estilhaçada sob o fogo!

No corpo embaçado,
a imagem salgada de uma criança natimorta...
São meus sonhos naufragados em urinóis de prata!

Nos ossos defumados,
a lembrança envelhecida de um galeão sem leme;
embarcação de papel perdida em alto - mar!

A água apodrecida 
congela nas garras do Leviatã
o sorriso de uma raia vestida de sangue! 

Da água viva só sobrou a ardência do teu toque;
na água morta pereceram todos os homens nascidos
à meia noite... 
 

15 de junho de 2011

ESPLENDOR



Trago comigo o vento atlântico
que, imperioso, me faz desbravar oceanos gigantescos 
e ferir terras virgens!

Nos meus olhos, 
a luz traidora em tempos imemoriais...

Nas minhas mãos,
restos da poeira estelar
que me formou em arrabaldes d'outrora!

Sou poesia viva nos lábios de um poeta insano;
sou profecia cifrada na voz de arcanjos de fogo!

Qual mistério há de ser revelado?

Guardo em mim
o olhar plangente da Aurora
que, bela, aterroriza homens e lobos
em colossal simplicidade...

No meu coração,
o sangue plasmado do Altíssimo!

Nos meus dedos,
a letra escarlate do Amanhã!

Ah, como desejei ser o topázio e o carbúnculo dos primórdios! 

Sou o princípio e o fim de mim mesmo;
sim, sou vírgula que desapareceu das orações,
verbo que padeceu nos pergaminhos!

Na noite ancestral,
tombei dos céus, uma estrela cadente!

Adeus...

12 de junho de 2011

VERGONHA



Por onde andaram meus irmãos?
No caminho dos inocentes, as patas de sangue;
minhas mãos em luvas de algoz!
A quem vitimei?


Deserdado pela matilha,
as lembranças caninas morderam sonhos meus de herói!
Nas pegadas covardes, a condenação...
Em qual coleira aprisionei a minha fé?


Os outros, por onde andaram?
Em desatino, danei-me em ruas indigentes.
Bebi no esgoto a solidão dos infernos!
Silenciei todos os meus latidos...


Nas mãos dos felinos, 
vi a morte pintada...




Da série O Despertar dos Cães

6 de junho de 2011

MENSAGEM


Me vestiram.

Veste pesada

que curvou meu dorso!

Roupa envernizada

que cegou a minha própria sombra...


O vermelho carmesim

brotou do meu corpo

e maculou o tecido real

que me deram...


No lugar dos botões, os cravos;

no lugar da linha, os espinhos;

no lugar do arremate, os furos!


Me vestiram;

fardo de pecados

que jamais cometi!


No paramento da dor

conheci a morte

que jamais desejei...


Vestiram-me!