18 de outubro de 2011

LUA



Ciso,
que fez doer no poeta
a cor que empalideceu
as damas da noite...
Dormentes,
os girassóis amarelados
eram dentes mortos de um coração
errante...


Leite morto,
que no céu imortalizou
anjos em olhos platinados...
Vitral alado
que olha para um passado
agonizante...


Farol solitário,
que me seguiu em silêncio
nas madrugadas andróginas:
bala de prata
cravada no peito da besta fera
enluarada...

DESGRAÇA


Não foi o meu corpo que soterraste o teu!
Foram palavras cuspidas ao vento
que sepultaram a tua voz:
ave andina
que sobrevoou cumes sem sombras
na hora da morte...


Não foi o meu adeus que desossou tua língua;
mas a tua face caiada
que libertou dos pântanos
o fétido odor da traição! 


Na pele assassina de um punhal,
fui samurai que beijou a lâmina:
última visão de um herói apaixonado... 

13 de outubro de 2011

MOBÍLIA




Me arrastaram...
Na sala de jantar estava imóvel.
De mim, arrancaram meus olhos!
A boca, 
porta que precipitou no abismo a minha voz, 
desaparecera...
Nu, desfigurado e sem cor, estava!

Me jogaram num canto,
onde há muito tempo jazia um abajur;
hoje, cego e sem luz,
iluminando solitário a escuridão:
a minha, a dele e a dos outros indigentes...
Exilaram-me num porão sem janelas! 

Cortaram as mãos que um dia brilharam!
Mutilado, não sentia frio nem calor;
até a dor, a infame dor me abandonou...
Apiedaram-se e deixaram, por fim, os meus pés;
havia ouro em meus artelhos:
recordações longínquas das noites sem fim...

No recinto imperial não estava mais!
As gavetas se renderam aos cupins,
as portas perderam suas vergonhas;
apodrecido, o verniz pariu crateras e farpas!

Sem alças, era um corpo oco;
um esquife vazio e sem vida...
Nos pés, a prova viva de que reinei no grande salão de marfim!

Ontem, a cristaleira que abrigou taças, bailes e rostos monárquicos;
hoje, um estorvo que contemplou a morte da lua... 

6 de outubro de 2011

CANÇÃO DO TEMPO PERDIDO


                                                                                Para 
                                                                                                                                                                Mário de Sá-Carneiro 
                                                                                                                                                                &
                                                                                                                                                                Cecília Meireles

Nas mãos, o presente;
no coração, o passado...

Nos dedos, as lágrimas;
nas artérias, a felicidade!

Nas unhas, o azul;
nas veias, o vermelho...

Em mim,
....................................................................
Dentro de mim,
...................................................................................... 

1 de outubro de 2011

NATUREZA MORTA



Na sala de jantar, um quadro suspenso!
Sob o vidro, a alma entorpecida pelo tempo...
Horas que perderam o tear,
fios d'água que abandonaram calhetas...


No linho roto, as mãos ataviadas;
pássaros sem asas que desenharam um corpo dormente!
Os olhos, poços fundos e secos,
os flancos, terras áridas que um dia abrigaram a vida... 


Na imagem petrificada, um santo sem fé,
um clamor sem pranto
e um sudário morto...


Uma vide não sangra jamais!