17 de dezembro de 2011

CONFISSÃO



A vida me deu as lágrimas que não pedi,
e não deixou que os abraços me acolhessem...
Os beijos? Os vi de longe...


As estradas foram além de mim;
nasceram buracos nos chãos,
chagas abertas n'alma sem nome...


A morte me deu flores sem que eu pedisse,
e deixou que os abraços e os beijos me visitassem!
As pessoas? As vi de longe...

27 de novembro de 2011

BIG BANG!

No espelho, a outra face:
Sol mascarado de Lua
a crepuscular os destinos de heróis combalidos!


No olhar, uma luz distante:
imagem distorcida de um buraco negro
a consumir anjos ignóbeis e demônios ínvidos!


Nos dedos frágeis, uma pena mortal:
tinta rubra que faz nascer a poesia
nas mãos de um deus chamado poeta!

18 de outubro de 2011

LUA



Ciso,
que fez doer no poeta
a cor que empalideceu
as damas da noite...
Dormentes,
os girassóis amarelados
eram dentes mortos de um coração
errante...


Leite morto,
que no céu imortalizou
anjos em olhos platinados...
Vitral alado
que olha para um passado
agonizante...


Farol solitário,
que me seguiu em silêncio
nas madrugadas andróginas:
bala de prata
cravada no peito da besta fera
enluarada...

DESGRAÇA


Não foi o meu corpo que soterraste o teu!
Foram palavras cuspidas ao vento
que sepultaram a tua voz:
ave andina
que sobrevoou cumes sem sombras
na hora da morte...


Não foi o meu adeus que desossou tua língua;
mas a tua face caiada
que libertou dos pântanos
o fétido odor da traição! 


Na pele assassina de um punhal,
fui samurai que beijou a lâmina:
última visão de um herói apaixonado... 

13 de outubro de 2011

MOBÍLIA




Me arrastaram...
Na sala de jantar estava imóvel.
De mim, arrancaram meus olhos!
A boca, 
porta que precipitou no abismo a minha voz, 
desaparecera...
Nu, desfigurado e sem cor, estava!

Me jogaram num canto,
onde há muito tempo jazia um abajur;
hoje, cego e sem luz,
iluminando solitário a escuridão:
a minha, a dele e a dos outros indigentes...
Exilaram-me num porão sem janelas! 

Cortaram as mãos que um dia brilharam!
Mutilado, não sentia frio nem calor;
até a dor, a infame dor me abandonou...
Apiedaram-se e deixaram, por fim, os meus pés;
havia ouro em meus artelhos:
recordações longínquas das noites sem fim...

No recinto imperial não estava mais!
As gavetas se renderam aos cupins,
as portas perderam suas vergonhas;
apodrecido, o verniz pariu crateras e farpas!

Sem alças, era um corpo oco;
um esquife vazio e sem vida...
Nos pés, a prova viva de que reinei no grande salão de marfim!

Ontem, a cristaleira que abrigou taças, bailes e rostos monárquicos;
hoje, um estorvo que contemplou a morte da lua... 

6 de outubro de 2011

CANÇÃO DO TEMPO PERDIDO


                                                                                Para 
                                                                                                                                                                Mário de Sá-Carneiro 
                                                                                                                                                                &
                                                                                                                                                                Cecília Meireles

Nas mãos, o presente;
no coração, o passado...

Nos dedos, as lágrimas;
nas artérias, a felicidade!

Nas unhas, o azul;
nas veias, o vermelho...

Em mim,
....................................................................
Dentro de mim,
...................................................................................... 

1 de outubro de 2011

NATUREZA MORTA



Na sala de jantar, um quadro suspenso!
Sob o vidro, a alma entorpecida pelo tempo...
Horas que perderam o tear,
fios d'água que abandonaram calhetas...


No linho roto, as mãos ataviadas;
pássaros sem asas que desenharam um corpo dormente!
Os olhos, poços fundos e secos,
os flancos, terras áridas que um dia abrigaram a vida... 


Na imagem petrificada, um santo sem fé,
um clamor sem pranto
e um sudário morto...


Uma vide não sangra jamais! 




29 de setembro de 2011

EUTANÁSIA




Minha vida, vela;
sem vento, vida, 
com sopro, morte...


Na vela, a vida;
na vida, o sopro!
Barco navegante,
corpo náufrago...


Vela sem fogo, fim,
barco sem vela, adeus...
Aplausos e prantos!


[Me apaguem, por favor!] 

22 de setembro de 2011

ÉDIPO



Enterrei no meu corpo a alma:
esfinge de asas cortadas,
mordaça que silenciou o enigma!
Quem inchou os meus pés?

Contemplei no espelho a sombra:
um sonho desfeito em algodão, 
fios da vida rompidos no tempo!
Quem sangrou meus desejos na fraga?

Eclipsei minha desgraça marinha:
cometa que feriu a Terra,
glaciações que fossilizaram o pecado!
Quem cegou os meus olhos? 

19 de setembro de 2011

ADEUS



Carrega contigo o único bem que me resta:
a lágrima!


Apressa-te antes que ela desapareça
e seja pelo vento sequestrada de tuas mãos sôfregas;
a água que um dia banhou meus olhos,
hoje mergulhados num deserto sem fim...


Carrega contigo a esperança,
chuva que morreu, ressecada pela paixão agreste que me consumiu...
Não olhes para trás, não contemples a tua sombra!
Corpo que ontem suou sobre mim, desaguando teus gemidos bestiais...


Carrega entre teus dedos moribundos
a vida que em mim existiu...
Longe dos egitos e dos êxodos infernais!
Foge da árida solidão que nos apartou...


Carrega, por fim, na tua lembrança assassina
a imagem dum corpo de gesso:
alma de sal petrificada pelo abandono,
coração que ardeu na secura do inverno!

21 de agosto de 2011

ATRIZ



Na contraluz, o meu semblante distorcido...
Pedaço de carne sob a poeira de um monólogo surdo!
Na plateia, um corpo vestido de horizonte
e um silêncio marítimo amordaçando lágrimas...


No camarim, uma estrela apagada;
na porta sem nome, abandonada pelo neon!
Minha sombra errante me faceou no espelho.
Quem contracenará comigo?


Ingressos vencidos, palcos encerados;
cessam os aplausos e adormecem as orquestras.
No cinzeiro, o resto do espetáculo:
minh'alma em cinzas sonhando amanhãs... 

7 de agosto de 2011

VIAGEM



Sempre me viram como Sol,
mas, no fundo, sempre fui Lua...


No dourado da estrela solitária,
o desespero de um homem
clamando por socorro!


No âmbar da cortina sem janela,
a voz de um menino
pranteando nas esquinas!


[Ninguém me ouviu...]


É hora de partir:
deixar a bola de fogo
arder e morrer no poente,
e afogar na noite escura
o camafeu que perdeu a luz...

4 de agosto de 2011

JOÃO



A cabeça, eu a vi derramada na bandeja de prata!
O colar era de sangue,
e a memória, um pavio queimado...


Os olhos foram mortos pela profecia:
palavras de sal,
tempero real para uma oferta de sacrifício!


No espelho da bandeja prateada,
contemplei a imagem duma cruz de carne e osso;
revelações de um tempo que não vivi...

31 de julho de 2011

REVELAÇÃO



A alma cariou...
Perdeu o carinho dos homens
e apodreceu em sombras famintas;
nunca tive corpo,
e tampouco os pés!


Senti nos olhos sem luz
a dor de um deus sem ossos:
todos frágeis, feitos de papel...
Minhas mãos, quem as arrancou de mim?


Em sonhos de fumaça,
o calor dos umbrais congelou meus poros!
Subi incenso,
desci poeira...


Quem me livrará no dia do Senhor?

27 de julho de 2011

SEPARAÇÃO



Por que me abandonaste? Por que me abandonaste?
Deixaste meu corpo na lápide sem pai e sem mãe...
Quem me protegerá do frio?
Quem me livrará dos meus verdugos?


Saíste silenciosa e desnuda pela porta da frente!
Nas minhas vestes, o alabastro derramado;
no meu coração, a súplica amordaçada...
Por quê? Por quê?


Na noite da traição, clamei por um beijo;
de ti, as tuas costas foram o teu adeus covarde...
Perdi no horizonte ébrio a minha imagem fugidia,
e desceu-me sobre mim um vento boreal...


Cílios cerrados, cálices quebrados!
Levaste contigo a luz dos meus olhos;
partiste, para sempre, minh'alma siamesa,
sopro maldito que jamais conheci...

4 de julho de 2011

FADO



Ah, não tenho mantos nem milagres!
Carrego nas mãos um punhado de lágrimas mortas;
entre os dedos que se cruzam,
todos sangrados pelo punhal!

O corpo circuncidou a alma,
a hóstia condenou minha voz;
silêncio de santos partidos, 
imagens que nunca nasceram!

Ah, não tive camelos nem mel!
Os gafanhotos me devoraram ao cair da tarde;
meus olhos, um deserto... 
Minha fé, uma arca perdida...

Quem me salvará da bandeja de prata? 

 

20 de junho de 2011

ÁGUA VIVA



A água, mais do que morta,
silencia minha voz na lágrima ancestral:
minh'alma de vidro estilhaçada sob o fogo!

No corpo embaçado,
a imagem salgada de uma criança natimorta...
São meus sonhos naufragados em urinóis de prata!

Nos ossos defumados,
a lembrança envelhecida de um galeão sem leme;
embarcação de papel perdida em alto - mar!

A água apodrecida 
congela nas garras do Leviatã
o sorriso de uma raia vestida de sangue! 

Da água viva só sobrou a ardência do teu toque;
na água morta pereceram todos os homens nascidos
à meia noite... 
 

15 de junho de 2011

ESPLENDOR



Trago comigo o vento atlântico
que, imperioso, me faz desbravar oceanos gigantescos 
e ferir terras virgens!

Nos meus olhos, 
a luz traidora em tempos imemoriais...

Nas minhas mãos,
restos da poeira estelar
que me formou em arrabaldes d'outrora!

Sou poesia viva nos lábios de um poeta insano;
sou profecia cifrada na voz de arcanjos de fogo!

Qual mistério há de ser revelado?

Guardo em mim
o olhar plangente da Aurora
que, bela, aterroriza homens e lobos
em colossal simplicidade...

No meu coração,
o sangue plasmado do Altíssimo!

Nos meus dedos,
a letra escarlate do Amanhã!

Ah, como desejei ser o topázio e o carbúnculo dos primórdios! 

Sou o princípio e o fim de mim mesmo;
sim, sou vírgula que desapareceu das orações,
verbo que padeceu nos pergaminhos!

Na noite ancestral,
tombei dos céus, uma estrela cadente!

Adeus...

12 de junho de 2011

VERGONHA



Por onde andaram meus irmãos?
No caminho dos inocentes, as patas de sangue;
minhas mãos em luvas de algoz!
A quem vitimei?


Deserdado pela matilha,
as lembranças caninas morderam sonhos meus de herói!
Nas pegadas covardes, a condenação...
Em qual coleira aprisionei a minha fé?


Os outros, por onde andaram?
Em desatino, danei-me em ruas indigentes.
Bebi no esgoto a solidão dos infernos!
Silenciei todos os meus latidos...


Nas mãos dos felinos, 
vi a morte pintada...




Da série O Despertar dos Cães

6 de junho de 2011

MENSAGEM


Me vestiram.

Veste pesada

que curvou meu dorso!

Roupa envernizada

que cegou a minha própria sombra...


O vermelho carmesim

brotou do meu corpo

e maculou o tecido real

que me deram...


No lugar dos botões, os cravos;

no lugar da linha, os espinhos;

no lugar do arremate, os furos!


Me vestiram;

fardo de pecados

que jamais cometi!


No paramento da dor

conheci a morte

que jamais desejei...


Vestiram-me!


26 de maio de 2011

NOJO


Teus beijos, eu os vomitei!

Leva contigo a saliva envenenada,

minha palavra cuspida

como se fosse um adeus!


Na solidão dos meus ais,

contemplo no espelho

o meu corpo içado...

Alma desgraçada traída por ti!


Aonde está o Inquisidor?

Sem fôlego, sem hálito,

padeço em meio às pedras afogueadas...

Irmãs mudas e surdas da minha dor!

15 de maio de 2011

INVEJA


Invejo os corpos sem alma,
porque sou perseguido todos os dias por uma sombra que desconheço!

Invejo todos os santos profanos,
porque com suas dores mortais alcançaram o paraíso...

Invejo as asas dos pássaros,
porque não abraçam homens e nem se despedem com adeus!

Invejo as cortinas do teatro,
porque encerram o espetáculo e não se emocionam com os aplausos!

Invejo os lírios do campo,
porque belos e frágeis desprezam a vaidade humana...

Invejo as almas sem corpos,
porque, um dia, se libertaram de todos seus pecados!

Invejo todos os deuses no céu,
porque nunca padeceram na terra...

Invejo...

7 de maio de 2011

Memória de peixe


No tempo dos anzóis,

via meu sangue entre arpões cegos e inocentes!

Estava sobre a mesa diante de meu pai

que me jantava sobejamente...


No tempo das máres altas,

via nas águas a lágrima que nunca tive!

Peixes não choram,

morrem silenciosos...


No tempo dos corais,

vi nas estrelas do mar a face de Deus:

cartilagem alada que me deu ossos,

sonho de homem sepultado no fundo do mar...

30 de abril de 2011


RETRATO EM BRANCO E PRETO


Nos olhos cavados, a alma desaguou num abismo torto;
a vertigem separou a face do meu semblante - perdi-me!
No tempo dos lírios desnudei a inocência:
lembranças da infância, da saudade e do adeus...


Apenas um traço e sem órgãos dentro de mim;
boneca de louça ou palhaço de pano no canto da parede?
Um vestido de vidro manchado de melancolia,
um sorriso pintado congelando a solidão...


Emoldurei as rugas, o torso e o calcanhar;
silencei a voz e amordacei a alma...
No flash, não virei pó!


A morte talhou-me na fotografia,
vestiu-me com madeira sem verniz...
Na parede, um futuro que não nasceu...