19 de dezembro de 2010

CANÇÃO DO DESAMPARO


A palavra mutilada escondeu o teu adeus;
e o meu corpo feito sacada desabou sobre lágrimas furtivas!
Por que amar, meu Deus?
Por que sofrer se os relógios nunca morrem?


O tempo, para mim, jamais andará;
será lama que um dia sonhou ser água corrente!
Imóvel, apodreço na solidão de meus ais.
Ah, quem me dera ser a estátua de sal!


Sou rosa sem pétalas, despedaçado no jardim;
morada dos vermes, dos desgraçados e dos rejeitados!
Notre Dame é o meu lar...


Sobrou em mim espinhos que sangraram no cetim a minh'alma apagada;
talvez cactus, talvez a coroa do messias, talvez a lança do arqueiro...
Na noite dos ancestrais, fui eunuco de mim mesmo!



15 de novembro de 2010

ALFA


Meus poemas,

bonecos de barro sem o fôlego do criador;

manequins desnudos na vitrine de cera...

Estórias do sem fim...


Minhas verdades,

poesia sem asa que se arrasta cambaleante;

palavras empoeiradas,

escombros de verbos defectivos....


Meu fado,

uma linha cortada ao meio pela lâmina cega;

canção de uma nota só,

ladainha de almas desamparadas!


Quem está no espelho:

a criança que em mim vivia ou a mulher que jamais nasceu?

14 de novembro de 2010

TRAGÉDIA



Um corpo indigente e os braços pendurados pela saudade;

um adeus que derreteu a esperança em meus olhos de Tirésias...

O sol desaparecerá do caminho de Édipo!

Em que linhas escrevi o meu segredo?


Um flanco coberto pela dor

e a saliva maquiando minha face:

um batom, alguma gosma, um lenço escarrado de paixão!

Meu sonho de Ícaro se desfez em pleno mar...


A louça ou o pano de prato?

Sujeira no canto da boca,

fuligem de uma vida que se vai...


A chama ou o pavio?

Um castiçal vazio; e uma lamentação de eunucos!

A esfinge me devorou!

8 de novembro de 2010

PROFECIA



O câncer me visitou;

plantou em minh’alma tumores que não pedi!

Regalos da vida.

Meu corpo entristecido adormeceu.


No leito,

os lençóis molhados,

as mãos abraçadas

e saudades da infância!


Apodreci...


Por que os anjos têm de morrer?


MILAGRE


Na dor,

nasceu o poeta;

Na lágrima,

nasceu a poesia!


AUTO-RETRATO


Espelhos? Nunca tive!

Não sei quem sou e uma canção andrógina desalinha meus cabelos...

No porta retrato,

um vazio, uma imagem que se perdeu e uma porta para o passado...


Um sopro, quase de vida, me arremessa contras as pedras mudas!

Água salgada dum mar mais do que morto sobre mim;

o meu corpo afunda e minh’alma flutua...


Sou vela apagada no jantar à meia – luz;

face de santo maculada no lago de vidro:

Narciso me traiu!

5 de novembro de 2010

LÚCIFER I


Há passos sinuosos no andar de cima...
Meus olhos,
lua nova minguando poentes,
crepuscularam as asas que arderam horizontes imemoriais:
Nasci!

2 de novembro de 2010


O segredo do poeta

Em meus versos não há vogais;
é língua de anjos que enlouquece deuses
e sangra o céu da minha boca...

Epiléptica, a alma dança abismos
e entoa cânticos de uma ninfa desgraçada!
Ah, como desejei ser um narciso à meia - noite...

Quem me dará a chave da vida?
Pássaros de papel incinerados em pleno voo,
os poetas não morrem jamais!

1 de novembro de 2010

OS PALHAÇOS



Há em mim palhaços.

Sim, palhaços vivem dentro de mim!

Muito risonhos e talvez loucos.

Riem de mim os palhaços, todos...

Todos os que vivem dentro de mim,

os palhaços e os palhaços...

E os palhaços também.

Todos vivem em mim,

os palhaços, os palhaços, os palhaços...

Talvez haja mais palhaços...

Loucos, risonhos e traiçoeiros...

Sou risonho,

sou louco,

mas não sou trapaceiro!

Não sei se sou palhaço,

mas há mentira nas minhas palavras,

e a minha face,

mergulhada no pó,

me impede de chorar!

Sou risonho:

não choro, mas sou triste...

Palhaço?

Não sei se sou um...

Talvez seja um louco...

Sou risonho porque alegro os outros;

os outros,

os outros palhaços, os palhaços

e até de mim mesmo, palhaço!

Todos são palhaços,

Palhaços de si e palhaços dos outros.

Todos mentem;

mentem porque são palhaços,

mentem porque são maquiados

até a alma, palhaços...

Todos são!

Sou risonho,

sou triste,

sou mentiroso,

sou palhaço

como os outros,

os outros,

os outros palhaços também,

como todos...

Todos,

todos os outros,

todos os outros,

palhaços!

Não sou louco, mas sou triste;

não sou mentiroso, mas sou palhaço;

um pouco de pó na face

e todos se alegram,

se alegram com a mentira,

se alegram com a tristeza dos outros;

dos outros,

dos outros palhaços...

De todos,

de todos os outros,

de todos os outros palhaços,

Palhaço!

Quem diz que a vida é uma grande verdade

não é alegre,

não é triste,

não é louco

nem traiçoeiro,

mas é um grande palhaço,

Palhaço!


Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2009

(verão carioca, muita chuva, uma saudade em pó e uma tristeza maquiada - cacos de palhaço)

REVERSO

Para trás,
onde os pés, ao contrário, caminham...
Curupira, sou!
sempre passado,
jamais futuro!
Ás avessas, sou,
quando a alma atravessa a rua
e o corpo foge para os becos
sem saída,
sem portas!

Sem presente,
sou vazio;
mais do que pretérito,
imperfeito, sou!

Para trás,
retornando a um tempo sem dor,
sem memórias e
sem palavras...

Um relógio que congelou o tempo;
Eu, distante, bem longe de mim...

31 de outubro de 2010

Sobre as flores


Flores por toda sala,

ânforas secas...


Flores por todo quarto,

cama vazia...


Flores por todo corpo,

minha morte...

DIÁLOGOS COM A SOLIDÃO

Sobre a palavra


Que palavra é essa que me devora?

Corpo estranho que destrói deuses e ressuscita montes...

Faróis cegos à deriva nos oceanos;

às vezes retesados, muitas vezes ruínas,

a vomitar sombrias luzes em saudades virgens...

Vestígios de um homem abandonado!

Que segredo é esse?

Maldito enigma sob a pata do leão,

sem rugido, engolindo covas vazias;

grito que morre afogado em saliva incandescente...

Aonde está o profeta?

Palavra tornada silêncio,

céu escorrido dos olhos:

azul que se foi;

amor mais do que proibido na hora do adeus!

Restos mortais de uma lua vestida de sol!

Que palavra é essa,

que emudece o poeta e liberta a poesia?